O homem e as drogas

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O Homem e as drogas

 

Nilo Momm

 

Para que tenhamos condições de falar em problema das drogas, é necessário a ocorrência de três fatores simultaneamente presentes: a droga, o indivíduo e o ambiente.

Não seria justo que nós como cristãos não considerássemos em primeiro lugar o indivíduo, o ser humano.

 

Homem

 

·                   Ser único

 

Deus, quando criou o homem o fez a sua semelhança e o criou único. Nos seis bilhões de habitantes que existem sobre a terra, não existem dois exatamente iguais, não existiram e não existirão. "Uno, único e irrepetível... Eternamente idealizado, eternamente escolhido, chamado e denominado por seu nome".[1]

No centro da dependência se encontra o homem, sujeito único e irrepetível, com sua interioridade e personalidade específica, objeto do amor do Pai que, em seu plano salvífico, chama a cada um à sublime vocação de filho. Sem dúvida, a realização de tal vocação é – junto com a felicidade neste mundo – gravemente comprometida pelo uso da droga, porque ela, na pessoa humana, imagem de Deus (Gn 1, 27), influi sobre a sensibilidade e sobre o reto exercício do intelecto e da vontade.

Para Ele e diante dele, o homem é sempre único e irrepetível; alguém que foi desde toda a eternidade ideado e escolhido; alguém que é chamado e denominado pelo próprio nome[2].

O Senhor me chamou desde o seio materno, desde o ventre de minha mãe, repetiu para si o meu nome. (Is 49,1)

Deus chama cada um qual pelo próprio e inconfundível nome. Ide vós também trabalhar em minha vinha[3].

Assim fala o Senhor que te fez, que te modelou deste o seio materno e que te ajuda. (Is 44, 2)

Antes de modelar-te no seio de tua mãe, antes de saíres do seu ventre, eu te conhecia: eu te consagrei. (Jr 1,5)

Quando aquele que me pôs a parte desde o seio de minha mãe e me chamou. (Gl 1,14)

Os talentos não são distribuídos de maneira igual[4].

Cada criatura possui sua bondade e sua perfeição próprias[5].

A comunhão eclesial caracteriza-se pela presença simultânea da diversidade e da complementaridade das vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e responsabilidades[6].

Na santa Igreja cada um é apoio dos outros e os outros são seu apoio[7].

É sempre o único e idêntico Espírito o princípio dinâmico da variedade e da unicidade na e da Igreja[8].

 

Dons humanos:

 

·                   Autoconsciência

·                   Imaginação

·                   Moral

·                   Liberdade de escolha

·                   Humor

Deus nos deu dons especiais que nos distinguem dos demais animais. Temos a autoconsciência (habilidade para pensar a respeito do próprio processo de pensamento), a imaginação (capacidade para criar na mente imagens que superam a realidade), a moral (consciência profunda do que é certo ou errado) e a livre escolha (capacidade para agir conforme nossa autoconsciência, livre de qualquer influência). E ainda podemos fazer tudo isto com humor. Com muito humor...[9]

Nossos dons exclusivos nos elevam acima do mundo animal.

As drogas agem exatamente sobre estes dons humanos. Isto nos leva a pensar que as mesmas nos tornam semelhantes aos animais irracionais.

Nada mais correto do que dizer que o usuário de drogas, ao longo de sua trajetória, se afasta aos poucos do status de homem livre e se transforma, por fim, em um imbecil.[10]

Por outro lado, não se deve subestimar que o usuário de drogas, muitas vezes, acredita que é um homem livre, senhor de seus atos. Ocorre que, alienado em sua pseudo liberdade, o usuário de drogas deixa de considerar "a vida um dom esplêndido de Deus, uma realidade sagrada confiada à sua responsabilidade e, consequentemente, à sua amorosa defesa, à sua veneração"[11].

Deus fez boas todas as coisas e criou o homem à sua imagem e semelhança, livre e senhor responsável de toda a criação. Deus conferiu ao homem o domínio sobre a terra, mas impôs-lhe limites no uso da natureza. O homem não é, desta forma, o senhor absoluto da criação (Gn 1-3).

Vivem sem felicidade verdadeira porque não tem esperança. Precisamos chegar até eles como mensageiros da esperança.[12]

Não podemos viver sem esperança. Temos de ter algum objetivo na vida, algum significado para nossa existência. Temos de aspirar a alguma coisa. Sem esperança, começamos a morrer.[13]

Vós nos fizestes para vós, ó Senhor, e nossos corações permanecem aflitos enquanto não descansam em vós. (Santo Agostinho)

O homem vai para Deus, seu destino final. Ele viaja em direção à cidade santa. (Sl 122, 1-4; Is 2, 2-5 e 35, 10). Um peregrino a caminho do absoluto.[14]

 

Mapas sociais

 

Existem três mapas sociais amplamente aceitos:

·                   Genético

O primeiro é o mapa genético que diz que a culpa de tudo é de seus avós. Por causa deles você é tão mal humorado, tão desastrado. Está tudo registrado no DNA. Passa de geração em geração. Você herdou tudo.

·                   Psíquico

O segundo é o mapa psíquico que diz que a culpa é de seus pais. Sua educação e as experiências da infância o fizeram assim. Deram forma a sua personalidade e a estrutura de seu caráter. Lá no fundo você sempre se lembra do roteiro emocional que  decorou quando era muito pequeno.

·                   Ambiental

O terceiro é o mapa ambiental que diz que a culpa é do seu amigo, do seu chefe, da sua mulher, do seu marido, do filho adolescente respondão, da situação econômica, do padre, do governo, dos políticos... Alguma coisa em seu meio ambiente é responsável por sua situação.

Cada um destes mapas baseia-se na teoria de Pavlov do estímulo e resposta com base em experiência com cachorros. Somos condicionados a reagir de determinada maneira a um estímulo particular. Para cada ação existe uma reação natural.

Mas isto é só para cachorro. Nós somos humanos e, para nós, entre cada estímulo e resposta encontra-se a liberdade de escolha, o livre arbítrio do ser humano.

 

As drogas

 

Existe o produtor, o agente financeiro, o intermediário e o usuário. Em geral nos detemos no usuário, as vezes no intermediário. O sistema de drogas é interligado com o do crime organizado, do tráfico de armas e da prostituição.

O sistema das drogas causa muito mais vítimas do que parece à primeira vista. Assaltos, violência, acidentes, doenças, prostituição, desemprego, desestruturação familiar...

Também somos responsáveis pelo problema das drogas. Não podemos fechar os olhos para o problema. O primeiro passo é a tomada de consciência. Depois podemos tomar atitudes coletivas.

 

O que é droga?

 

“Toda substância que, introduzida no organismo, produz nele alguma alteração”[15].

Drogas são substâncias ou produtos, de origem natural ou de laboratório, que produzem alterações da percepção, do humor e das sensações, ainda que temporariamente. São sensações de prazer, de euforia ou alívio do medo, da dor, das frustrações, das angústias.

Consideramos drogas os psicotrópicos que, introduzidos no organismo humano, provocam alterações no sistema nervoso central, em particular alterações de percepção, do humor e das sensações, induzindo, ainda que temporariamente, sensações de prazer, de euforia, ou aliviando o medo, a dor, as frustrações, as angústias, etc.

Drogas incluem álcool, tabaco, certos produtos naturais, inalantes, vários medicamentos e tóxicos.

                                                                                                                

                                  Fases do uso de drogas                                                      

                                                                                                                

Abstinência                                                                                              

     Curiosidade                                                                                          

          Experimentação imaginára                                                                                                  Experimentação                                                                                  

                        Repetição da experimentação                                             

                              Uso esporádico ocasional                                     

                                  Uso constante situacional = hábito             

                                            Uso constante generalizado = abuso       

                                                 Vício com dependência

 

Quais as drogas mais usadas no Brasil?

 

1. Álcool

 

O álcool - etanol é uma substância classificada como depressora do sistema nervoso central, embora produza uma euforia inicial acompanhada de desinibição, seguida de sonolência.

Embora exista legislação específica que regulamenta a propaganda sobre o álcool no rádio e na televisão e da proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de dezoito anos, poucos respeitam as leis neste aspecto.

No Brasil o álcool é responsável por mais de 90% das internações hospitalares por dependência e aparece em mais de 70% dos laudos cadavéricos das mortes violentas.

Dos 164.000 casos de violência doméstica registrados em delegacias de São Paulo em 1999, em 50% dos casos o agressor alegou em sua defesa estar alcoolizado.

Em 75% dos motoristas feridos ou mortos em acidentes de trânsito, está com álcool no sangue. 61% das vítimas (motoristas, passageiros ou pedestres) estavam alcoolizadas, 10% haviam ingerido outras drogas além do álcool.

O álcool é uma das portas para o mundo das drogas.

De acordo com literatura internacional 10% a 12% da população mundial é dependente do álcool. Sem dúvida é a droga que mais danos traz à sociedade.

O uso do álcool tem início bastante cedo. Cerca de 50% dos estudantes do ensino fundamental, entre dez e doze anos, já fizeram uso dessa droga.

Muitas vezes a própria família inicia seus filhos no vício. Segundo pesquisa 21,8% tomaram pela primeira vez bebidas oferecidas por seus próprios pais.

A cerveja é a bebida mais usada, seguida dos vinhos, vodka, cachaça e whisky.

 

2. Tabaco ou cigarro

 

Droga psicotrópica classificada como estimulante do sistema nervoso central. Os danos são causados principalmente pela nicotina e pelo alcatrão.

Os fabricantes já conheciam desde a década de 1960 os danos que a nicotina e o alcatrão, entre outras substâncias, causam à saúde, mas esconderam do público essas informações científicas.

O uso inicial do tabaco é bastante precoce na vida. Mais de dez por cento dos jovens de dez a doze anos já experimentaram o cigarro. O uso é mais freqüente pelo sexo masculino, mas em alguns lugares o predomínio já é do sexo feminino.

 

3. Inalantes ou solventes

 

Os solventes ou inalantes são classificados como depressoras do sistema nervoso central. O efeito inicial é de euforia, excitação e alucinações seguindo-se depressão. Esmaltes, cola de sapateiro, corretivos de tinta, fluídos de isqueiro, lança-perfume, cheirinho da loló, tolueno, éter, clorofórmio, acetona, etc. A maioria dos usuários usa em casa.

Mais da metade dos usuários diz que experimentou estas substâncias em sua própria casa, por volta dos onze anos de idade.

Vários autores consideram os solventes como a verdadeira porta de entrada para o mundo das drogas.

 

4. Maconha ou cânhamo

 

O nome científico é cannabis sativa. Classificada como droga perturbadora do sistema nervoso central. A substância ativa se chama THC - tetrahidrocanabinol. Provoca desinteresse, taquicardia, secura na boca, olhos vermelhos, delírios, alucinações, perda da noção de tempo e espaço, perda de memória de curto prazo.

A planta produz mais de 400 produtos químicos ativos, sendo 61 canabinóis, dos quais alguns psicoativos como o THC (tetrahidrocanabinol).

A maconha consumida é um conjunto formado das flores, folhas, sementes e gravetinhos. Em geral é fumada em cigarros feitos manualmente.

Os efeitos dependem da qualidade da droga fornecida e da pessoa que usa, podendo variar inclusive com o estado psicológico do usuário.

A maconha brasileira tem de 2 a 4% de THC, a das Filipinas tem de 8 a 12% e a skanck produzida na Holanda tem até 32% de THC.

A qualidade da droga é muito variável. A PF de SC apreendeu um traficante na Palhoça em 1997 que vendia bosta de cavalo pura, como maconha.

Possui cheiro característico que acaba por identificar seus usuários com alguma facilidade.

O haxixe é um derivado da maconha.

 

5. Ansiolíticos ou tranqüilizantes ou sedativos

 

Os ansiolíticos ou tranqüilizantes são medicamentos que contém como princípio ativo substâncias classificadas como depressoras do sistema nervoso central.

As mais usadas possuem os nomes comerciais diazepan, valium, lorax, lexotan, rohypnol.

Os ansiolíticos são mais freqüentemente utilizados pelo sexo feminino. É uma das três drogas mais consumidas pelos estudantes.

Muitos idosos são usuários de ansiolíticos inclusive sob receita médica. Alguns sintomas considerados típicos da velhice, na realidade são reflexos do uso de tranqüilizantes.

A venda destes produtos só deveria ocorrer com a apresentação de receituário azul, porém isto não é respeitado por muitas farmácias.

 

6. Anfetamínicos ou moderadores de apetite

 

São estimulantes do sistema nervoso central. Os principais são: Hipofagin, Moderex, Inibex, Moderine, Dualib. O sexo feminino é o maior usuário.

As anfetaminas são as famosas bolinhas. Utilizadas pelos atletas para estimular a atividade física, por isso o teste antidoping. Entram aqui também os estimulantes da vigília, muito utilizados pelos estudantes e pelos motoristas conhecidos como bolinha, rebite, boleta.

A comercialização só pode ser feita pela apresentação de receita azul. Entretanto o uso não respeita esta regra.

 

7. Cocaína, crack e merla

 

A cocaína é um alcalóide extraído da coca por uma série de reações químicas. É estimulante do sistema nervoso central..

Seu uso se dá de forma inalada ou injetada.

Quando é preparado em forma de pedra, servindo para ser fumado, recebe a denominação de crack.

Mais recentemente apareceu a merla. Trata-se de resíduos da pasta bruta da cocaína que é introduzida no cigarro e fumada.

Um quilo de cocaína pura custa cerca de U$ 2.000 na fronteira com o Paraguai, chega a Florianópolis por R$20.000,00, já com 30% de impureza. Transforma-se em 3 quilos com a adição de gesso, giz industrial, pó de mármore, e outros produtos e transforma-se em papelotes que renderão cerca de R$ 90.000,00.

Pesquisa entre os estudantes da USP revelaram que 12% dos mesmos eram usuários de cocaína. Entre os meninos de rua as pesquisas mostram até 95% de usuários. Praticamente todas as garotas e garotos de programa são usuárias de cocaína, conforme pesquisa em Campinas.

Entre os usuários pesquisados em Campinas, 99% não praticavam qualquer tipo de religião.

 

8. Anticolinérgicos

 

São perturbadores do sistema nervoso central. Em doses elevadas provocam delírios e alucinações.

Na medicina são utilizados no tratamento de doença de parkinson ou para abrandar os efeitos colaterais de antipsicóticos ou ainda como antiespasmódicos.

Os mais utilizados são Bentyl, Artane, Akineton e alguns chás homeopáticos como lírio, trombeteira e zabumba.

 

9. Barbitúricos

 

Os barbitúricos são classificados como depressores do sistema nervoso central.

São utilizados como medicamentos desde o início do século vinte. Atualmente seu uso é restrito para alguns casos de crises convulsivas.

Os mais utilizados são gardenal e pentotal.

O potencial de provocar morte com seu uso é grande, principalmente quando associado a outros depressores do sistema nervoso central.

 

10. Xaropes

 

Os xaropes a base de codeína são utilizados como inibidores da tosse. Setux, Tussiflex.

 

11. Orexígenos - Alucinógenos

 

São perturbadores do sistema nervoso centra. Provocam alucinações e delírios. LSD, mescalina e chá de cogumelo. Os orexígenos são medicamentos utilizados para aumentar o apetite. Periatin, Periavida, Apetivit.

 

12. Opiáceos

 

São substâncias obtidas do ópio. Dolantina, Demerol, Algatan, Tylex. São potentes depressores do sistema nervoso central. A principal utilizado como droga é a heroína. Entre os medicamentos a morfina.

 

Poder viciante

 

As diversas drogas possuem poder viciante diferente umas das outras. Também os indivíduos tem fatores que os levam mais facilmente ou não ao uso continuado de drogas.

O poder viciante da maconha é de 50%, da cocaína 80%, do crack acima de 90%, da merla acima de 96%. No álcool é menor do que 50%.

 

Tolerância

 

De tanto usar drogas, o organismo se acostuma e o usuário precisa cada vez doses maiores para sentir os mesmos efeitos.

 

Dependência

 

Após algum tempo de uso de determinada droga, estabelece-se a dependência da mesma. Esta dependência pode ser física ou psíquica. O organismo não consegue viver sem a droga.

 

Overdose

 

É o uso de uma quantidade de droga acima daquela que o corpo suporta. Por exemplo 1,2 g de cocaína ou 600 ml de uísque.

 

A toxicomania é o encontro de um indivíduo, um produto e um momento sociocultural.

O mundo das drogas está muito perto de nós. Por que isto acontece? Quem é o culpado? O que podemos fazer?

 

Bibliografia

 

Pastoral da Sobriedade, Nilo Momm, Edições Loyola, 1999.

Prevenção ao uso de drogas, Nilo Momm e Vilsom Basso, Centro de Capacitação da Juventude, CNBB, 1998.

Escola a Felicidade, Vida sem Drogas, Nilo Momm e Juliana Camargo Momm, Edições Loyola, 2000.

Os 12 passos da Pastoral da Sobriedade, Edições Loyola, 2001

Texto-Base da CF 2001, Vida sim, drogas não, CNBB, 2000.

Revista Encontros Teológicos - Instituto Teológico de Santa Catarina - ITESC

 

Contato: nilomomm@yahoo.com.br (inclusive para palestras)

Palestra proferida no Instituto Pastoral da Juventude em Porto Alegre.



[1] João Paulo II, 25.12.1978.

[2] João Paulo II, Primeira radio mensagem natalícia ao mundo (1979), 66

                [3] Christifideles Laici, 28

[4] CIC 1936 (Cf. Mt 25, 14-30; Lc 19, 11-27)

                [5] CIC 339

[6] Christifideles Laici, 20

[7] São Gregório Magno, Hom. in Ez, II, I, 5) (Christifideles Laici, 28

[8] Christifideles Laici, 20

[9] Escolha a felicidade, vida sem drogas, Edições Loyola, 2000, p. 19.

[10] Prevenção ao uso de drogas, CCJ/CNBB, 1998, p. 61.

[11] João Paulo II, Evangelium vitae, 1995.

[12] João Paulo II, Nova York, 1979.

[13] João Paulo II, Los Angeles, 1987.

[14] João Paulo II, Lumen Gentium, 49-50.

[15] Organização Mundial de Saúde

Fale comigo:

Nilo Momm