Cocaína
A cocaína é uma substância natural, extraída das folhas de uma planta que ocorre exclusivamente
na América do Sul: a Erythroxylon coca, conhecida como coca ou epadú, este último nome dado pelos índios brasileiros.
A cocaína pode chegar até o consumidor sob a forma de um sal, o cloridrato de cocaína,
o "pó", "farinha", "neve" ou "branquinha" que é solúvel em água e, portanto, ser aspirado ("cafungado") ou dissolvido em água
para uso endovenoso ("pelos canos"), injetável.
Sob a forma de uma base, o crack que é pouco solúvel em água mas que se volatiliza quando
aquecida é fumada em "cachimbos".
Também sob a forma base, a merla (mela, mel ou melado) preparada de forma diferente do
crack, também é fumada.
Há ainda a pasta de coca que é um produto grosseiro, obtido das primeiras fases de separação
de cocaína das folhas da planta quando estas são tratadas com álcali, solvente orgânico, querosene ou gasolina e ácido sulfúrico.
Esta pasta contém muitas impurezas tóxicas e é fumada em cigarros chamados "basukos".
Antes de se conhecer e de se isolar cocaína da planta, esta era muito usada sob forma
de chá. Ainda hoje este chá é bastante comum em certos países como Peru e Bolívia, sendo que no primeiro é permitido por lei,
havendo até um órgão do Governo o "Instituto Peruano da Coca" que controla a qualidade das folhas vendidas no comércio. Este
chá é até servido aos hóspedes nos hotéis.
Em 1855 um químico alemão chamado Gaedcke encontrou nas folhas de coca um alcalóide e
o denominou erytroxyline. Em 1859 empregando álcool, ácido sulfúrico, bicarbonato de sódio e éter, outro químico alemão Albert
Niemann purificou o alcalóide encontrado por Gaedcke e encontrou o alcalóide conhecido como cacaína.
As folhas de coca tem aproximadamente um por cento de cocaína. A extração da pasta base
é feita com querosene, ácido sulfúrico e um álcali que pode ser cal, carbonato de sódio ou potassa. Para transformar a pasta
base em cocaína usam-se permanganato de potássio, solventes orgânicos como acetona, éter, benzol, ou toluol e ácido clorídrico,
forma-se então um sal cristalino. Os químicos alteram o uso de reagentes conforme as dificuldades encontradas para adquirir
os produtos necessários.
A cocaína é talvez a droga mais sujeita a sofrer adulteração. Para ganhar peso se adicionam
lactose, talco, bórax, laxantes ou quaisquer outros produtos que se pareçam com a cocaína e não apresentem efeitos colaterais
perceptíveis. Para compensar a perda de potência se adicionam anfetaminas em pó, novocaína, benzocaina e outros. Também cafeína
e ácido analgésicos tem sido encontrados. Em geral chega ao consumidor final com apenas cerca de vinte por cento de cocaína.
Efeitos psicológicos
A cocaína que é inalada demora alguns minutos para apresentar as primeiras sensações
que costumam durar aproximadamente quarenta minutos; se injetada ou fumada o efeito é mais rápido e mais intenso porém dura
menos.
Há pessoas que praticamente não sentem nada, mesmo quando consomem doses relativamente
elevadas; outras jamais experimentam sintomas de dependência mesmo quando usam com freqüência, mas outras, pelo contrário,
apresentam reações severas mesmo com apenas um experimento. O sujeito experimenta durante um lapso de meia hora à uma hora
um pouco de euforia, loquacidade e sensação geral de bem estar e lucidez.
Esta droga produz euforia, excitação, ansiedade, diminuição da fadiga, aumento da capacidade
de trabalho e sensação de maior força física.
Esquece-se a necessidade de comer e dormir, que de outra maneira se sentiria em certas
horas do dia.
A cocaína é uma droga que desperta a agressividade, um estimulante que dá uma sensação
de poder, de que se está acima do mundo. Porém é um poder ilusório que desaparece quando se desvanecem os efeitos da cocaína,
sem que o indivíduo tenha aprendido nada. Provoca um estado falso, sem aprendizado, que leva o indivíduo ao escape temporal
de si mesmo. (Alexander Shulguin)
A nível somático, o consumo de cocaína ocasiona dilatação das pupilas, diminuição da
sensibilidade ao frio, relaxamento muscular, aumento da pressão sanguínea e aceleração da freqüência cardíaca. Como a cocaína
é um vasoconstritor, sua inalação constante provoca a degeneração do tecido local prejudicando a membrana mucosa.
Usada habitualmente ocasiona infecções das vias respiratórias e inclusive pode chegar
a produzir edema pulmonar.
Os sintomas de abuso começam parecendo-se com os do resfriado crônico combinado com insônia
e perda de peso. Em casos de abuso, se experimentam náuseas, vômitos, irritabilidade e alucinações com temas recorrentes como
insetos que circulam sob a pele; além de perfurações do septo nasal, infecções cutâneas e hemorragias pulmonares. Tem-se detectado
danos genéticos em bebês cujas mães usam cocaína habitualmente. O risco de overdose é freqüente pois não se conhece o grau
de pureza da droga.
Após o uso intenso e repetitivo o usuário experimenta sensações muito desagradáveis como
cansaço e intensa depressão.
A tendência do usuário é aumentar a dose de uso na tentativa de sentir efeitos mais intensos.
Porém essas quantidades maiores acabam por levar o usuário a comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras
devido ao aparecimento de paranóia (chamada entre eles de "nóia"). Esse efeito provoca um grande medo nos usuários que passam
a vigiar o local onde estão usando a droga e passam a ter uma grande desconfiança uns dos outros o que acaba levando-os à
situações extremas de agressividade. Eventualmente podem ter alucinações e delírios. A esse conjunto de sintomas dá-se o nome
de "psicose cocaína". Além desses sintomas descritos, os usuários de cocaína perdem de forma muito marcante o interesse sexual.
O uso crônico da cocaína pode levar a uma degeneração irreversível dos músculos esqueléticos,
chamada rabdomiólise.
Aspectos gerais
É certo que os usuários de cocaína relatam que aumentam a dose quer para sentir os mesmos
efeitos quer para aumentá-los. De qualquer maneira, considera-se hoje em dia que a cocaína induz tolerância, tanto que os
manuais psiquiátricos mais atuais já admitem a tolerância induzida pela cocaína, sendo que mesma pode ser observada em todas
as vias de administração.
Não há descrição convincente de uma síndrome de abstinência quando a pessoa para de tomar
cocaína abruptamente: ela não sente dores pelo corpo, cólicas, náuseas, etc. O que ocorre é que essa pessoa pode ficar tomada
de grande "fissura" desejando tomar de novo para sentir os efeitos agradáveis e não para diminuir ou abolir o sofrimento que
ocorreria se realmente houvesse uma síndrome de abstinência.
Usuários de drogas injetáveis e Aids
No Brasil, a cocaína é a droga mais utilizada pelos usuários de drogas injetáveis (UDI).
Muitas destas pessoas compartilham agulhas e seringas, e se expõe ao contágio de várias doenças, entre elas as hepatites,
a malária, a dengue e a aids. Esta prática, inclusive, é hoje em dia o fator de risco mais importante para a transmissão do
HIV.
Segundo dados do "Projeto Brasil", estudo epidemiológico realizado entre 1995 e 1996
com 701 UDI, envolvendo vários centros do país, e coordenado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Aids de Santos (IEPAS),
as taxas de prevalência de infecção pelo HIV entre usuários de drogas injetáveis chegam a 71% em Itajaí, 64% em Santos e 51%
em Salvador.
O uso de drogas injetáveis está associado a cerca de 50% de todos os casos de aids nas
regiões de São Paulo e Santa Catarina. No âmbito nacional, 21,3% dos casos de aids registrados até maio de 1997, refere-se
a categoria de usuário de drogas injetáveis.